Olá Pessoal!
Hoje teremos um texto especial da nossa querida escritora, colaboradora e parceira Francine Camargo
A urgência das quatro horas
Até
queria chegar mais cedo, mas enquanto o relógio ao pulso desvelava lentamente
as horas, ela se ilhava em seus pensamentos desconcertantes e quando se via, já
era passado tempo: a vida, ao longe da sua imobilidade, avançava. E hora, é
sabido, não fica ao lado da gente, mas sim, tremula os cabelos tal como vento
urgente e sem freio.
Por
isso perdeu o trem da despedida na estação, quando não desatava se era luxo de
saudade ou escabiose da alma, por não conceder ficar só. No fim, restituiu-se à
antiga viela e permaneceu quieta, afincada num canto mais omisso que suas
lágrimas.
Foi
pela mesma prerrogativa de desapego ao tempo escoado que não entendeu quando o
Sol acabara de surgir, deixando a noite como lembrança recuada. Tudo havia
prometido à noite que vinha, mas arrojo não teve de deixar também que a
escuridão caísse por sobre ela.
Quando
todos se satisfaziam em risos, ela averiguava o momento certo e o sorriso não
saía, pois, os demais já eram idos e o que ela não queria, em nenhuma
instância, era sobrar-se em alegria. O medo de soar caricata convertia-se em
sisudez e, feito esfinge, ela preferia ficar ali de rosto vazio.
Privou-se
de cantar os parabéns. Livrou-se dos votos de eternidade e não compareceu a
tempo de decidir carreira ou dizer o sim. Até hoje, desenhou trajetória de
oportunidades e não completou o circuito, tornando-se inescrutável, uma mulher
a quem ninguém espera.
Decerto
foi isso que lhe acotovelou o espírito. Ela precisava que aguardassem a sua
chegada.
Evitou,
então, piscar os olhos, mal teve tempo de engolir o café requentado, calçando
os sapatos às pressas e perfumando a pele, dessa vez, com a transpiração da
iminência, de tanto que acelerou os passos.
Correu
o mais que pôde até perder não só a noção de tempo, como também a do espaço em
que se achava. Não importava. Tinha que chegar.
Se
havia alguém numa extensão alguns passos ou quilômetros à frente a procurar por
ela, não saberíamos dizer. Entretanto, foi bem aqui que ela parou: o relógio da
praça alardeava as quatro horas.
Uma
criança de corpo mirrado quase não sustentava o corpo de tanta fome. Um homem
com o rosto lavado em pranto assinava sua última carta, murmurando um nome só
seu. Um desses seres sem rosto insistia em seu violino a chorar uma toada de
amor. Uma garota rosada e de olhar abrasador aconchegava a visão em um romance
nas páginas de um livro amarelado.
Mas
quando ela, a mulher insondável, gritou, a paisagem se alterou, bem como cada
intenção:
–
Cá estou eu!
E
não houve despedida, tampouco fome; a leitura não foi finalizada e a música se
acalmou.
O
momento era dela e, sem conhecimento anterior, era por ela que todos ansiavam.
E, por alguma razão ignota, mesmo sem relógio, foi essa a primeira vez que ela,
a abismal mulher, chegou à hora exata.
A Autora
Francine Camargo ↓