Olá Pessoal!
Hoje o texto da Fran está demais e vocês ainda podem escolher o final na #QuintaAutoralFabulônica.
Minha querida vizinha
“Diz-me quem é o teu vizinho que te direi
a fria em que te enfiaste”
(Provérbio meu, criado ‘inda agorinha)
Gostar
de morar em prédio não é unanimidade. Há quem seja indiferente e se mova em
passos distraídos do portão da calçada até a entrada do apartamento, sem sofrer
com as etapas de passagem pelo portão A, portão B, portão C, janelinha da
portaria, hall de entrada, corredor de espera pelo elevador, saída dessa caixa
móvel e, por fim, a penetração na morada em si, sob olhares curiosos e
insolentes de vizinhos de acesso.
Há
os que, entretanto, veem-se deleitados em poder, a cada movimento, parar sem
pressa alguma e abordar, com qualquer passante, assuntos relativos ao tempo,
aos preços exorbitantes dos produtos no mercado ou a respeito do atraso na
chegada do elevador. Será que está com
defeito, vou de escada ou espero um pouco mais? Na semana passada esperei mais
de dez minutos, que absurdo! Vou falar sobre isso com o síndico na próxima
reunião de condomínio. Você vai, não é?
E,
indubitavelmente, há os reservados que, por mais que estabeleçam relações
educadas e cumprimentem a todos, sem contar anedotas pré-programadas, ainda
assim fazem promessas mentais diárias para não se deparar com determinados
vizinhos e não terem que improvisar relatórios pessoais sobre seus últimos
feitos, como resposta aos questionários a que são submetidos.
A
historieta que se segue trata dessa terceira espécie de morador. Mais do que
isso: sobre vizinhos que dele se aproveitam.
Ela
era toda cheia de prosa, falava alto, ocupava a vaga de garagem que melhor a
beneficiasse, segurava o elevador o tanto que precisasse para que o filho comesse
a despensa inteira antes de sair, deixava a porta aberta e fazia do hall uma
extensão do seu apartamento. A primeira vez que nos vimos foi em meio à minha
mudança: móveis entrando e ela, prestativa, foi entrando junto, como se
estivesse a inventariar minha nova casa. Disse que poderia chamá-la se
precisasse de QUALQUER coisa e mesmo depois que voltou para o seu canto, deixou
a nítida impressão de que ainda falava comigo, dada a amplitude que o som de
sua voz alcançava.
Tinha
um basset castanho: barulhento, de língua feroz e fundo solto, pois se urinava
por tudo diante de algumas emoções com as quais não sabia lidar. Seu latido era
contínuo, mas a minha capacidade de sublimar alguns sons era um mérito honroso
que me qualificava.
Acumulei
meses de inconveniência, como conversas e toques de campainha fora de hora,
gritos, brigas, até a minha vaga de carro ela ocupou! Via-a sair pelo corredor
vestida apenas com roupas íntimas, encontrava-a no espaço da piscina ocupando
todas as cadeiras disponíveis e presenciei cenas de maus tratos aos
funcionários, que nos atendiam com respeito e devoção.
Naquele
dia, quando abri a porta de serviço para tirar o lixo, eis que a dela também estava
aberta. Ponderei que não viria algo bom dali, mas não tive reflexo rápido para
fechar a porta.
Seu
belo cachorro correu para a minha casa com a afoiteza de quem esperava desde
sempre por aquele momento. Entrou e certeiro começou a urinar em cada pé de
móvel que encontrou, em cada tapete, em cada brinquedo do meu filho, e refinou
suas entregas, deixando pelo caminho algumas ejeções fecais.
A
vizinha querida adentrou a cozinha e se riu toda ao encarar as peraltices do
cãozinho; depois deixou a natureza seguir seu rumo, enquanto pronunciava a
indesejada frase: “ele é danado, é assim mesmo”.
Final
1:
Apenas
sorri e esperei que o Salsicha se esvaísse em xixi e voltasse ao seu recinto,
para que, enfim, eu pudesse dar andamento à limpeza e dissipasse o cheiro
agradável que sobrara em cada parte do meu pequeno universo. “Não tem problema,
imagine”, fechei a porta humilhada.
Final
2:
Saí
em voadora na direção dela. Expulsei-a da minha casa e da minha vida. Tranquei
a porta e coloquei o cachorrinho de castigo, jurando que ensinaria a ele lições
de bons modos. Pedi futuramente um resgate, pois boba não sou.
Final
3:
Nessa
versão, por algum motivo, eu me encontro na delegacia, sem entender qual era a
culpa que carregava. Estávamos na cozinha, a gaveta de facas acessível e, ao
final, ninguém se feriu fatalmente, embora as manchas de sangue possam ser mais
difíceis de desencardir do que de urina.
Uma
vez que tentativas homicidas não me cabem, congelo ainda o sorriso no rosto de
tão forçado que foi o primeiro final, o que consegui naquele momento. Em
prédio, não quero mais morar. O som do vizinho é sempre mais alto e o xixi que
vem de lá pode ser bem mais malcheiros.
A Autora
Francine Camargo ↓
Muito bom mesmo. Só não vale deixar barato...portanto, não aceito de modo algum o final 1.
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